O saneamento pode mudar o país

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* Luiz Pladevall – O Novo Marco Legal do Saneamento é um passo importante na organização desse setor e uma grande perspectiva para milhões de brasileiros nos próximos anos.

A recente aprovação do PL 4.162/2019 trouxe maior segurança jurídica para os players e pode proporcionar melhores condições de vida para mais de 100 milhões de habitantes sem coleta e tratamento de esgoto e outros 35 milhões não atendidos por água potável.

Os investimentos previstos chegam a R$ 700 bilhões até 2033 com potencial para a criação de 40 milhões de empregos no período de acordo com dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria). O estudo detalha que para cada R$ 1 bilhão aplicado em saneamento, criamos 58 mil empregos diretos e indiretos, sendo 27 mil na indústria, 25 mil no setor de serviços e 5,9 mil em agropecuária.

Por sua característica de demandas pulverizadas em todo o território, os empreendimentos em saneamento reforçam o caráter fomentador da economia em pequenos, médios e grandes municípios.

A vida em localidades insalubres revela a face mais perversa do nosso atraso no setor. Porém, o Novo Marco Legal tem capacidade para resolver pendências históricas e aumentar a eficiência e eficácia dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Um dos pontos positivos da nova legislação foi estabelecer maior competição e metas para empresas prestadoras de serviços.

Hoje, a maioria das localidades conta com serviços por meio do chamado contrato de programa, no qual a companhia estadual responsável pela água e esgoto pouco, ou quase nada, atende às necessidades municipais de saneamento, pois estes contratos de programa não têm regras e metas claras, em grande maioria é um documento simples somente com intenções.

Acostumados com a equivocada concepção de abundância hídrica por contar com mais de 10% da água doce do mundo, esquecemos que 80% desses recursos estão concentrados na bacia do Rio Amazonas. Nas regiões metropolitanas, as mudanças climáticas já prenunciam o imperativo de tratar os recursos hídricos com maior reponsabilidade.

Portanto, buscar reduzir as perdas de água vai ser um dos trabalhos mais importantes nessas localidades. As tubulações com mais de 50 anos de uso são um dos motivos para nossas perdas alcançarem cerca de 40% de toda água produzida. Os municípios coletam, tratam – investem em insumos como produtos químicos e energia – e depois jogam fora quase a metade de tudo isso. Em algumas regiões brasileiras, o desperdício ultrapassa 60% da água tratada, constituindo um prejuízo próximo a R$ 12 bilhões anuais.

Além da troca de tubulações e renovação de ativos, serão necessários principalmente investimentos no aprimoramento da gestão dos sistemas e eficiência operacional para que possamos alcançar índices melhores. Exemplos desses avanços em controle de perdas não faltam, como Dinamarca (6,9%), EUA (12,8%) e em Portugal na região de Lisboa (7,9%).

Para dar conta dessas e demais demandas do saneamento, o Novo Marco Legal inova ao criar a unidade regional de saneamento básico permitindo que os Estados constituam agrupamentos de municípios, não necessariamente limítrofes, para atender suas demandas, abrindo a perspectiva de gestão associada. A possibilidade de formação de blocos vai contribuir para que localidades menos atrativas possam se integrar com cidades com maior potencial de retorno dos investimentos, alcançando o que conhecemos como subsídio cruzado, uma forma de atender a todos de maneira mais equilibrada.

Temos muito trabalho pela frente. O atendimento a 99% da população com água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto até 2033 é uma meta extremamente ambiciosa, mesmo com a participação efetiva do setor privado. Para isso, um dos principais instrumentos para atender essa demanda vem dos Planos Municipais e Regionais de Saneamento, ferramenta que apenas cerca de 40% dos municípios desenvolveu, segundo pesquisa divulgada em 2018 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O Estado de São Paulo deu prioridade a esse instrumento e contratou pacotes para a produção de planos municipais por meio das bacias hidrográficas. Assim, os municípios paulistas já estão preparados para uma nova etapa e já têm definidas as suas prioridades no setor. A iniciativa merece servir de exemplo para os outros entes federativos como proposta de acelerar a elaboração desse documento, principalmente naquelas localidades que sequer contam com um engenheiro capacitado para coordenar este estudo.

Na esfera federal, o planejamento deve ser um instrumento de condução do Novo Marco Legal do Saneamento, com propostas que atendam às demandas no curto, médio e longo prazos. Há décadas, o país abandonou sua responsabilidade de gestão fazendo o atendimento de balcão, conforme as solicitações políticas foram surgindo.

Precisamos retomar o planejamento embasado em informações atualizadas, que possam reproduzir de forma clara o panorama do setor e que seja capaz de oferecer dados detalhados para uma visão precisa da realidade. A centralização da gestão e dos recursos financeiros deve ficar na Secretaria Nacional de Saneamento para evitar o desperdício de recursos e impulsionar a viabilização dos empreendimentos.

Avançar com o saneamento vai trazer impactos sociais e econômicos em vários setores. Sem sombra de dúvida, a saúde da população brasileira vai ganhar muito com a melhora nas condições de vida e aumento da produtividade dos nossos trabalhadores.

Mas o turismo, o meio ambiente, e até mesmo a indústria imobiliária, entre outros setores, também vão ser beneficiados. Por isso, o saneamento precisa fazer parte de um compromisso da nação para se transformar em uma política pública permanente de Estado, independentemente da cor partidária do governo de plantão. 

* Luiz Pladevall é presidente da Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente) e vice-presidente da ABES-SP (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental).

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