* Bernardo Campos Carvalho – Numa tarde qualquer, depois de muito andarem à procura de emprego, Silvinha não mais aguentando:
– Mãe, tô com fome.
A mãe, Dona Aparecida, sem um tostão no bolso, caminhando desde cedo em busca de trabalho olha para a filha com os olhos mareados e pede um pouco de paciência.
– Mas, mãe, desde ontem não comemos nada.
A mãe, triste e humilhada em seu coração, pede para a filha aguardar na calçada, enquanto entra num restaurante à sua frente e dirigindo-se ao homem do balcão, diz:
– Meu senhor, estou com minha filha de apenas seis anos na porta, com muita fome, não tenho nenhum tostão, pois saí cedo para buscar um emprego e nada encontrei. Eu lhe peço que em nome de Jesus me forneça um pão para que eu possa matar a fome dessa menina. Em troca posso varrer o chão de seu estabelecimento, lavar os pratos e copos, ou outro serviço que o senhor precisar.
Antônio, o dono do restaurante, estranha aquela mulher de semblante calmo e sofrido pedir comida em troca de trabalho e pede para que ela chame a filha. Dona Aparecida pega a filha pela mão e apresenta a Antônio, que imediatamente pede que as duas sentassem junto ao balcão. Manda servir dois pratos de comida. Para Silvinha, era um sonho comer após tantas horas na rua.
Para a mãe, Dona Aparecida, uma dor a mais, já que comer aquela comida maravilhosa fazia-a lembrar de seus outros dois filhos e de seu marido doente que ficaram em casa, apenas com um punhado de fubá. Grossas lágrimas desciam dos seus olhos já na primeira garfada. Por outro lado, tinha satisfação em ver sua filha devorando aquele prato simples como se fosse um manjar dos deuses.
Antônio se aproxima de Dona Aparecida e percebendo a sua emoção, brinca para relaxar: – Ô Maria, sua comida deve estar muito ruim. Olha a minha amiga, está até chorando de tristeza desse bife, será que é sola de sapato?
Imediatamente, Dona Aparecida sorri e diz que nunca comeu comida tão apetitosa, e que agradecia a Deus por ter esse prazer. Antônio pede então que ela sossegue seu coração, que almoçasse em paz e depois conversariam sobre trabalho. Mais confiante, Dona Aparecida enxuga as lágrimas e começa a almoçar, já que sua fome já estava nas costas.
Após o almoço, Antônio convida Dona Aparecida para uma conversa nos fundos do restaurante, onde havia um pequeno escritório. Então ela conta que há cerca de dois anos, tanto ela quanto seu marido, que era doente, haviam perdido o emprego e como nenhum deles tinha estudo ou uma especialidade profissional, estavam vivendo de pequenos “biscates aqui e acolá ”.
Antônio resolve então contratar aquela mulher para serviços gerais no restaurante e penalizado faz uma cesta básica com alimentos para pelo menos 15 dias.
Dona Aparecida, com lágrimas nos olhos, agradece a confiança daquele homem e marca para o dia seguinte seu início no trabalho.
No dia seguinte, Dona Aparecida estava na porta do restaurante logo cedo, ansiosa para iniciar seu novo trabalho. Antônio chega logo em seguida e sorri para aquela mulher, que viria a ser sua melhor empregada.
Com certeza, dentro dos artigos que escrevemos, “as mães que matam”, “as mães que jogam seus filhos no lixo”, que atingiram tamanha repercussão, podemos concluir que, o mais importante é deixarmos de lado a lógica e guardarmos em nosso coração o que existe de mais grandioso e de maior significado, e mesmo que eventualmente maculado, ainda é a única que exprime a essência e dimensão do verdadeiro amor: Mãe.
* Bernardo Campos Carvalho é advogado criminalista. Especialista em tribunal do júri, participando dos casos “Champinha” e “Celso Daniel”, dentre outros de repercussão nacional
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