* Murilo Valle – Tem sido notícia recorrente nos últimos dias o alto preço do feijão. Dentre as motivações destacam-se os problemas relacionados aos fenômenos climáticos e redução de área plantada.
O inverno iniciou no dia 20 deste mês e deve registrar chuvas acima da média. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) o período de junho a setembro pode ter variação entre dias secos e úmidos, mas com frequentes avanços de frentes frias, que garantem as chuvas na estação. Com a perda de intensidade do El Nino, que influenciou o clima neste último ano, tem-se a volta do fenômeno La Niña, que também vai influenciar diretamente o clima nos próximos 9 meses.
Segundo especialistas, no sul do Brasil a estação será marcada pelas temperaturas mais baixas além de um maior número de dias com ocorrência de geadas, já, com referência às chuvas, estas serão mais irregulares e abaixo da média, intercalando períodos curtos com muita chuva com períodos maiores com pouca ou nenhuma precipitação durante o inverno, primavera e verão. As variações contrastantes de temperatura e de chuva são prejudiciais ao cultivo do feijão.
Frente ao exposto, é indubitável que os problemas climáticos enfrentados pelos produtores de feijão aliados à diminuição das áreas plantadas, mudaram os referenciais de demanda e, por isso, o custo elevou-se a patamar inimaginável. O casamento do feijão com o arroz no prato brasileiro está em risco, pois a forma como a sociedade tem interagido com o planeta tem relação direta com as mudanças climáticas e outras questões relacionadas ao aquecimento global e, ainda, com tendência ao agravo.
O Brasil tem sido um celeiro para o mundo, por meio de dezenas de commodities no segmento agropecuário, o que tem permitido nas últimas décadas, sobretudo nas regiões norte e centro-oeste, a intensificação do desmatamento em detrimento da necessidade de áreas para pastagens e/ou plantios de espécies como soja, algodão, feijão, dentre outras. A supressão de vegetação nativa para dar espaço ao agronegócio de grande escala é um dos fatores que impulsiona as variações climáticas, a partir do momento que compromete a capacidade da vegetação em estocar carbono.
O desmatamento no Brasil, aliado às questões de falta de controle e planejamento, é um dos culpados pelo divórcio entre o feijão e o arroz. Apesar de apresentar avanços na redução do desmatamento, o Brasil precisa implementar ações mais eficazes para neutralizar o desmatamento no Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, biomas notadamente ameaçados por atividades não sustentáveis relacionadas à agricultura, mineração e geração de energia. Políticas públicas que colocam as questões ambientais e sociais em paridade com as questões econômicas devem ser a base para o desenvolvimento sustentável, não obstante, o Brasil caminha em passos lentos nesta direção e, pelo contrário, a exemplo do que preconiza a PEC nº 65/2012, tem demonstrado ações que estimulam o retrocesso ambiental que, por sua vez, influenciam diretamente nas questões climáticas.
De acordo com relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), estima que, de 1990 a 2015, o Brasil registrou uma redução de quase 55 mil hectares no tamanho de suas florestas, sendo que, até 2015, o maior compromisso de reflorestamento feito pelo país previa a restauração de cerca de 12 mil hectares. É uma perda significativa que influencia diretamente o clima. O relatório aponta ainda que a região amazônica possui cerca de 400 represas que estão operando ou em construção, além de cerca de 300 que foram propostas ou planejadas. Este tipo de projeto, além da intrínseca supressão de vegetação, implica ainda em construção de rodovias e outras obras de infraestrutura em áreas ainda intocadas, condição que impulsiona a degradação ambiental.
Por que tanta represa? O governo precisa implementar obras de infraestrutura na área energética em função da demanda de consumo atual e futura para evitar apagões e suprir o cadeia produtiva, todavia, pauta-se em premissas de cálculo que partem de um padrão desordenado de consumo energético. Se a sociedade tivesse mais consciência ante ao uso racional da energia elétrica, certamente um menor número de obras seria necessário. Os governos precisam implementar políticas públicas que estimulam e favoreçam o uso de energias limpas e renováveis. É preciso dar efetivo incentivo aos empreendimentos que se estruturam nos pilares da sustentabilidade. É preciso dar o devido apoio à agricultura orgânica bem como à agricultura familiar e aos pequenos produtores. A sociedade precisa rever seus padrões de consumo!
É possível reverter o quadro? sim, porém, além da vontade política, é fundamental reestruturar o modelo de educação no Brasil, de forma que seja possível incorporar os valores ambientais ao cotidiano e torná-los o eixo estruturante do desenvolvimento. É necessário um novo modelo de educação em que as crianças e jovens, ao longo da vida escolar desde o ensino básico, adquiram habilidades e competências, atitudinais e cognitivas, convergentes ao desenvolvimento sustentável, para que possam adotar postura crítica ante aos desafios reservados para o futuro.
Assim, considerando a complexidade destas questões aliada a inércia da sociedade em reagir, concluo que o feijão divorciou-se do arroz e, pior, com sinais que o bife e o ovo começaram a se desentender.
* Professor Murilo Valle é Doutor e Mestre em Geologia pela IGc (Universidade de São Paulo) e coordenador do Curso de Engenharia Ambiental – FAENG (Fundação Santo André). Contato com o colunista pelo e-mail murilovalle@hotmail.com
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