Da Redação – O assistencialismo sempre foi uma marca do Legislativo do Grande ABC, e essa realidade não é muito diferente da de outras regiões e cidades brasileiras. O vereador ou mesmo o assessor parlamentar, amigo do amigo de políticos, de vez em sempre é chamado para favores diversos, como uma caroninha básica ao médico, ao INSS e até mesmo para fazer compras ou mudanças.
Tem eleitor que não quer nem saber como o seu vereador atuou ou votou durante o seu mandato. Mas se ele o levou ao médico, ou mesmo para fazer exames, num dos quatro anos em que estiver no cargo, já pode contar com esse votinho fiel nas próximas eleições. E muitos se especializam na prestação deste serviço assistencialista, digo parlamentar. Só que em algumas vezes o final acaba sendo muito diferente do imaginado pelos personagens.
A coluna Do Fundo do Baú vai falar justamente de uma dessas roubadas provocadas pela prática assistencialista. A história é real e está bem viva na memória de muitos vereadores e moradores desta região, mas, para poupar os personagens e familiares, a trama vai ser contada, mas com nomes fictícios. Também nos reservamos o direito de não revelar a cidade onde a curiosa história aconteceu. Vamos aos fatos.
Lá pela década de 70, o conhecido e benevolente vereador Antonio Cintra foi procurado por uma senhora no seu gabinete:
– Olá, seo Antonio Cintra, tudo bem?
– Sim Dona Margarida, e como vai o esposo, está tudo bem com ele?, perguntou o vereador, sem imaginar a triste notícia, que iria receber.
– Ih, seu Cintra… o marido faleceu, tadinho. O senhor sabe, ele estava bem fraquinho e debilitado e não aguentou o tratamento. Morreu!
– Puxa, não sabia não. Faz tempo?
– Não seo Cintra. Foi ontem à noite. E foi por isso que vim falar com o senhor. O velório vai ser daqui a pouco e o meu marido nunca teve um paletó…
– Sei! O que a senhora precisa?
– Ah, seo Cintra, a gente gostaria de enterrar ele bonitinho, de paletó, como gente de bem. O senhor não emprestaria um para ele?
Antonio Cintra, sem pestanejar, apanhou o blazer que estava pendurado na cadeira e foi logo passando para a viúva, que não cabia em si de tanta felicidade. Afinal de contas iria enterrar o marido “como gente de bem”. Enquanto Antonio Cintra, sempre prestativo, se mostrava orgulhoso de poder realizar o último desejo do seu ex-eleitor. A viúva deixou a Câmara apressada com o paletó do vereador e foi para funerária municipal levar o blaser para o marido ficar bonitinho, e “gente de bem”. E 12 horas depois, ele foi enterrado.
No outro dia, o vereador precisou comprar leite e pão na padaria para a família tomar café. E para ele enfrentar outro dia cheio de atividades parlamentares, ou melhor assistencialistas. Levou a mão ao bolso do blaser e se assustou pois não encontrou nem documento, nem dinheiro e muito menos os cartões. Voltou correndo para a Câmara e também não encontrou a carteira. Foi daí que ele lembrou que todos seus documentos, cartões e dinheiro estavam no blaser que emprestou para a viúva. Ligou para a casa dela e ouviu que ninguém tinha notado a carteira.
– Vixe, seo Cintra. Deve ter ido embora junto com o falecido. Que pena que ele não vai poder fazer uso do dinheiro, nem dos cartões e talão de cheque.
Rapidamente, aproveitando a proximidade que vereadores têm com departamentos e funcionários da Prefeitura, Antonio Cintra ligou para o administrador do Cemitério Paz Infinita, onde foi o enterro e narrou o acontecido. Aflito, pois tudo estava dentro do blaser, que foi sepultado junto com o ex-eleitor de Cintra.
Apesar de saberem que seria crime mexer no caixão e mesmo no cadáver, os dois armaram uma trama de dar inveja a muitos escritores de contos de terror. Chamaram dois funcionários do cemitério, e acertaram o pagamento de duas horas extras aos funcionários que iriam fazer o resgate depois do horário de trabalho. Por volta da meia-noite, os quatro foram até o cemitério. Abriram a cova, o caixão e recuperaram a carteira, documentos, dinheiro, talão de cheque e outros pertences de Antonio Cintra, que foi dormir aliviado.
Por muito tempo, o causo foi contado pelo próprio vereador aos amigos parlamentares, e também pelo amigo político que autorizou a abertura da cova para reaver os pertences de Antonio Cintra. O vereador, como não era bobo nem nada, tratou logo de comprar um cabide para guardar o paletó no armário do gabinete e evitar assim infortúnios como o descrito acima.
* A coluna Do Fundo do Baú desta semana, excepcionalmente, não foi escrita por Carlos Alberto Coquinho Bazani
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