Pandemia e Meio Ambiente

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* Murilo Valle – Considerando que estamos no mês em que comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6), inicio este texto remetendo a um evento, de igual importância, ocorrido 34 anos passados, em 1987, marcado pela emissão do Relatório de Brundtland, que indicou importantes referenciais relacionados às questões ambientais, tais como aspectos da problemática da pobreza, o consumismo, o aquecimento global, perda de biodiversidade, dentre outros.

O Relatório de Brundtland foi intitulado como NOSSO FUTURO COMUM e, frente a esta temática, dentre outras ações consequentes, com destaque a ECO92, ocorrida aqui no Brasil, foram estabelecidas inúmeras agendas convergentes ao desenvolvimento sustentável que permitiram, além de positivas ações programáticas cujos resultados constatamos no presente, muito conhecimento, fundamentalmente a partir das diferentes ciências.

Produzir conhecimento e desenvolver tecnologias e alternativas capazes de tornar as atividades humanas mais sustentáveis e menos nocivas ao ambiente é uma tarefa que as ciências dão sustentação e que a sociedade precisa incorporar como elemento necessário ao desenvolvimento.

Vivemos um momento de extrema fragilidade, no mínimo, nos campos da saúde pública, da democracia e das questões ambientais, predominantemente motivadas por ações políticas que desprezam todo acúmulo que a sociedade tem produzido nas últimas décadas. Entendo que pandemia atual do Coronavírus possui relação direta com impactos ambientais, em virtude de desequilíbrios ambientais, que expõe o sistema a condições superiores à capacidade de carga para a recuperação.

Supressão de vegetação, queimadas, aquecimento global, dentre outras ações de origem antrópica, promovem modificações na forma como os animais e outros seres vivos se inter-relacionam. Cabe lembrar que as doenças emergentes tais como ebola, zika, encefalite e importantes pandemias – Influenza, HIV/AIDS, Covid-19 – são zoonoses causadas por micróbios de origem animal que, em virtude de consequências de impactos ambientais, estreitam o contato entre as vidas humanas, selvagem e criações.

Os mamíferos caracterizam-se por serem importantes reservatórios de patógenos com potencial pandêmico, em particular morcegos, roedores e primatas, alguns pássaros e animais de rebanho e, aliado a esta condição natural, tem-se os efeitos nocivos do aquecimento global que, dentre outros efeitos, provocam a mudança de habitat de muitas espécies que podem passar a conviver com os humanos e outros seres vivos, caracterizando efetivo impacto ambiental.

Nesse contexto tem-se o desmatamento que no Brasil historicamente é vergonhoso (vide gráfico), entretanto, o que está ocorrendo desde 2018 é inaceitável, sobretudo considerando a motivação principal, marcada pelo desmantelamento das políticas ambientais. Recentemente a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão e afastou 10 gestores do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama.

O ministro da boiada é também alvo de investigações que apuram suspeita de facilitação à exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos e Europa. Se o padrão de desmatamento continuar crescendo na taxa observada, num olhar catastrófico, cerca de 42% da vegetação nativa florestal atual estaria suprimida nos próximos 34 anos e, em 2070, estaria aniquilada. 

As termelétricas estão sendo acionadas em virtude da falta d’água e todos sabemos que a falta d’água e o desmatamento na Amazônia guardam direta relação. O uso das usinas termelétricas, além dos impactos ambientais intrínsecos, produz energia elétrica mais cara que, pressiona a inflação que promove a alta de juros. É preciso investir em ciência e tecnologia para a adoção de alternativas energéticas eficientes sob os prismas econômico e ambiental.

O Brasil é um país que graças a sua extensão, características geográficas, climatológicas e distribuição demográfica, permite a adoção de um modelo energético descentralizado e independente da exclusividade da matriz hídrica. Já foi o tempo que a energia hidrelétrica era considerada energia limpa. Nos projetos atuais das grandes usinas os danos podem ser maiores, dado a magnitude e temporalidade dos impactos, que outras formas de energia. Belo Monte é um exemplo de ineficácia e impactos ambientais!!

As conexões entre a política clientelista e populista, o desenvolvimento sustentável e a qualidade da democracia existem e, tal como observado hoje, se mal gerida, impede o desenvolvimento sustentável e reduz dramaticamente a qualidade da democracia e a qualidade de vida.

O negacionismo da política do governo federal não se limita à verborragia e, de forma preocupante, é demonstrado em ações diretas. É preciso também deixar claro que a responsabilidade do declínio do Brasil nas questões ambientais não é privilégio do poder executivo federal, mas também, do legislativo, tomando-se como exemplo recente, a forma de condução das discussões acerca do PL sobre licenciamento ambiental.

A relação entre governo federal e as questões ambientais são tortuosas, uma vez que não ocorrem ações explícitas que buscam vetar as incongruências anunciadas pela comunidade científica e, pelo contrário, afronta-se com latente negacionismo. É preciso encarar o desafio ambiental de forma técnica-científica e com visão de Estado.

Assim, por fim, como reflexão, pergunto: frente ao quadro que está sendo desenhado no Brasil, como será nosso futuro comum?

* Murilo Valle é doutor em Hidrogeologia pelo Instituto de Geociências da USP e professor do Centro Universitário Fundação Santo André

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1 comentário on "Pandemia e Meio Ambiente"

  1. Regina Ribeiro

    erfeito amigo Marcio Trevisan. Que crônica lúcida! Independentemente que eu, enquanto leiga, seja contra a realização da Copa América, da Uefa (como foi aqui em Portugal), das Eliminatórias da Copa do Mundo, do Paulistão, Brasileirão, Campeonato de Peteka ou de bolinha de gude, concordo com você no que se refere à hipocrisia dos ditos “craques” que dizem defender as nossas cores. Parabéns por ter a coragem de dizer as necessárias verdades.

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